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Prorrogar ou não prorrogar, eis a questão

Desde que crise do Coronavírus espalhou-se pelo Brasil diversas empresas tem requerido no Judiciário a prorrogação do pagamento de tributos estaduais e municipais, . O objetivo é suspender a exigibilidade de créditos tributários que não foram contemplados com qualquer medida voltada a minimizar a carga tributária ou sequer tiveram seus prazos de pagamento prorrogados.


Num primeiro momento, acumularam-se diversas decisões a favor dos contribuintes junto aos juízos de primeira instância. os quais acolheram especialmente o argumento da possibilidade de prorrogação de pagamento de tributos em virtude de calamidade pública, conforme autorização da Portaria MF nº 12, de 20 de janeiro de 2012.


Por outro lado, o Governo Federal através da Portaria nº 139/2020 postergou o pagamento dos tributos federais, a entrega das declarações federais por meio da IN RFB nº 1932/2020, e ainda, os prazos de vencimento das mensalidades de programas de parcelamento de tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Portaria 201/2020).


Para as empresas contribuintes, natural seria que os tributos estaduais e municipais também fossem alcançados com medidas nessa linha. Doce ilusão.


A tendência dos Tribunais de todo o país, e ainda, da instância superior (Supremo Tribunal Federal), tem sido generalizar e indeferir todos os pedidos, como se todos estivessem sob as mesmas condições, legitimados em dois principais argumentos: (i) não cabe ao Poder Judiciário substituir os administradores públicos do interessado na tomada de medidas de competência privativa deste, sob pena de violação ao princípio de separação dos poderes e (ii) inexiste lei que autorize a moratória pretendida.


No Estado de São Paulo, E. Presidência do Tribunal de Justiça determinou a suspensão de liminares em Mandados de Segurança que objetivavam a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários relativos ao ICMS durante a pandemia ocasionada pela COVID-19,

em Incidente de Suspensão de Liminar e Segurança (processo nº 2066138-17.2020.8.26.0000) proposto pela Fazenda Estadual.


Entre os fundamentos, segundo o presidente Desembargador Geraldo Francisco Pinheiros Franco, "a intenção dos magistrados foi a melhor possível, é inegável. De encômios são merecedores todos os que buscam, no Poder Judiciário, soluções aptas à superação do difícil e inédito panorama. Entrementes, o momento atual exige calma. A coordenação, a ser exercida pelo Poder Executivo, é imprescindível. Somente uma organização harmônica e coerente ensejará a adoção das medidas necessárias e abrangentes. Daí a imperiosa suspensão das decisões liminares, que ora determino".


O ponto é que o Poder Executivo, no geral, mostra-se completamente perdido e inerte em seu papel estabilizador das relações sociais, agindo sem um objetivo claro, em especial ao não compreender a importância das medidas de quarentena paulatinamente determinadas pelos governos estaduais e municipais.


De outro lado, as empresas estão à beira de um colapso, tanto quanto o sistema de saúde, sem ter condições de pagar seus colaboradores, verbas rescisórias, despesas fixas, fornecedores, dívidas bancárias e mais os tributos. Ou seja, entre a cruz e a espada.


Curioso é que alguns Estados conseguiram suspender o pagamento de dívidas com a União, por 180 dias, para que os recursos fossem aplicados nas ações de combate à pandemia da Covid-19. O Supremo, nas palavras do Ministro Alexandre de Moraes, ao conceder liminar na ACO 3363 ajuizada pelo Estado de São Paulo, entendeu ser esta alegação "absolutamente plausível" em virtude do atual momento "extraordinário e imprevisível".


Se não se admitir à empresa e ao cidadão, sob o jugo do Estado, que lhe priva de renda e de sua atividade, o mesmo tratamento que o próprio Estado postulou e obteve (adiamento do cumprimento das suas dívidas), seria admitir o exercício absolutista e irresponsável de poder. O Estado existe em função das pessoas e não o contrário e é nesse cenário que o Poder Judiciário precisa de coerência, tanto quanto o Executivo.


A imprevisibilidade do período de manutenção das restrições sanitárias então vigentes, agravada pela falta de consenso político que atualmente permeia a questão, justifica, por precaução, a fixação de prazo razoável de dilação dos pagamentos das exações e a possibilidade de oportuna prorrogação.


Não se trata de atuação judicial de forma genérica, tampouco usurpação de competência. Deve ocorrer de forma excepcional, após a análise de cada caso concreto, considerando os efeitos na arrecadação e a conveniência de o Estado suportar um atraso no recebimento de tributos para garantir a subsisitência da empresa, de forma que que ela possa manter empregos, continuar a funcionar e prestar bens e serviços à sociedade, ou seja, cumprir sua função social.


Fernanda Dias Nogueira – advogada tributarista, especialista em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário pela FGV/SP, sócia do escritório Machado Nogueira Advogados, Podcaster “Em pauta, com Fernanda Nogueira” e autora do blog “Tributário na prática”.

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