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Grandes questões tributárias I - Exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins

Hoje quero falar de um assunto muito debatido no meio jurídico e empresarial. Sem dúvidas, a maior controvérsia do direito tributário da atualidade. Uma questão que dura mais de duas décadas. Uma trama digna de novela, com capítulos novos a cada dia.


Vamos dar um passo para trás. Preciso contextualizar vocês.


Em 15/3/2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do RE 574.706/PR e fixou a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”, sob o fundamento de que tais valores não compõem a definição de faturamento.


Os contribuintes venceram a tese. O mérito foi resolvido de forma definitiva pelo judiciário.


(Em tese).


A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional opôs embargos de declaração requerendo a modulação dos efeitos da decisão para que esta somente produza efeitos gerais a partir da data do julgamento de seus embargos, em função do suposto impacto econômico do julgado, e ainda a integração do acórdão para sanar omissão quanto ao critério de cálculo da parcela do ICMS passível de ser excluída das bases de cálculo do PIS e da Cofins (ICMS “a pagar” x ICMS “destacado”).


No último dia 4, a Procuradoria-Geral da República protocolou manifestação a respeito dos embargos de declaração opostos pela União no Recurso Extraordinário 574.706/PR.


Em seu parecer, a PGR, apesar de dizer não ver motivos para a mudança da decisão do STF no mérito, manifestou-se de modo favorável à modulação de efeitos da decisão, para que ela somente produza resultado após o julgamento dos embargos de declaração protocolados pela União, o que ainda não tem sequer data para acontecer.

Segundo a PGR, o impacto e a abrangência da decisão do STF motivariam a modulação de efeitos.


Em seu entendimento, a decisão do tribunal “rompe com entendimento jurisprudencial histórico e tem potencial de influenciar outras exações, além de promover significativa alteração no sistema jurídico tributário”, e “pode acarretar o pagamento de restituições que implicarão vultosos dispêndios pelo Poder Público”.


Mais uma vez o argumento retórico, diga-se de passagem, do impacto financeiro para justificar o “interesse social”. Devo não nego, pago quando puder.


Pois bem, por partes, porque aqui estão os pontos mais sensíveis do tema: modulação e operacionalização da exclusão do ICMS.


Digam se vocês concordam comigo. Se houve a análise do tema, não há omissão a ser sanada. Na verdade, o entendimento restritivo defendido pela PGFN em seus embargos, no sentido de que a quantia a ser expurgada das bases de cálculo do PIS e da Cofins corresponderia ao “ICMS a pagar”, é claramente contrário ao que foi definido pelo STF.


Isso está evidente no voto da Ministra Carmém Lúcia, relatora do RE:


“Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, TODO ELE, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS (grifos não são do original)”.


Todo ele.


Os tribunais tem se posicionado assim. A Doutrina também. A própria PGR quando disse que “o Plenário do Supremo Tribunal Federal debateu amplamente a questão trazida no recurso extraordinário, inclusive rediscutindo argumentos e reafirmando fundamentos presentes em julgamentos anteriores, de forma que ausente omissão, obscuridade ou contradição que justifique a reabertura da discussão”.


E sobre a modulação dos efeitos da decisão do STF?


Nos termos dos artigos 27 da Lei 9.868/99 e 927, parágrafo 3º, do CPC/2015, a modulação de efeitos deve ocorrer para atendimento do interesse social e da segurança jurídica, especialmente em caso de alteração jurisprudencial. Serve para evitar que alterações abruptas de entendimento venham a causar insegurança jurídica.


Não se desconhece que, durante algum tempo, a jurisprudência do STJ consolidou-se em sentido desfavorável aos contribuintes, isto é, pela legalidade da inclusão do imposto estadual na base de cálculo das aludidas contribuições, conforme estabelecido na Súmula 68 daquele tribunal. No entanto, em função do disposto no artigo 105, III, ‘a’ e ‘c’, da Constituição, o tema fora decidido pelo STJ exclusivamente à luz das normas infraconstitucionais.


Porém, em 8/9/1999, no bojo do RE 240.785/MG, o Plenário do STF reconheceu o caráter constitucional da discussão e iniciou o julgamento do tema à luz do artigo 195, I, b, da Carta Maior.


Apesar de o julgamento só ter sido concluído em 8/10/2014, desde 2006 havia maioria de votos no Plenário pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins.


Disso decorre que a primeira manifestação de mérito do Plenário da suprema corte foi pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, fundamento constitucional autônomo distinto do debate anteriormente travado pelo STJ meramente à luz das normas infraconstitucionais.


Alinhado aos primados de estabilidade e coerência dos precedentes (artigo 926 do CPC/15), em 15/3/2017, o STF prestigiou a sua jurisprudência e, sob a sistemática e efeitos da repercussão geral, reiterou o entendimento de que o “ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”, desta vez em precedente com eficácia persuasiva (RE 574.706/PR, relatora ministra Cármen Lúcia, Plenário, DJ 2/10/2017).


Seguindo o disposto no artigo 1.026 do CPC/15, a jurisprudência dos cinco TRFs e do STJ seguiu imediatamente a posição do STF, no sentido da exclusão do ICMS da base de cálculos das referidas contribuições.


Recapitulando: em 2006 no RE 240.784, o Pleno do STF alcançou a maioria absoluta de seis votos no sentido que ao final ficou decidido, tendo o julgamento naquela oportunidade sido suspeito em razão do pedido de vistas do Min. Gilmar Mendes. Em 2014 o Pleno do STF concluiu tal julgamento, que restou decidido por 7x2. Em 15.03.2017, o STF reiterou esse mesmo entendimento no RE 574.706. E em 2018 foi julgada prejudicada a ADC 18, em caráter definitivo.


O que se vê é que não houve alteração, e sim a reiteração da jurisprudência do STF. Além disso, todo o Judiciário já vinha seguindo a orientação jurisprudencial da suprema corte, cuja maioria estava formada desde 2006 pela inconstitucionalidade da cobrança. Por isso, inúmeros títulos exequendos transitaram em julgado e se encontram agora em fase de cumprimento de sentença ou habilitação administrativa.


Além disso, inexistem razões de excepcional interesse social a justificar a pretendida modulação de efeitos.


A alegação de eventual impacto aos cofres públicos, por si, não é suficiente, conforme o próprio STF já decidiu em algumas oportunidades. Admitir estes efeitos só incentiva o Estado a instituir e majorar tributos de forma inconstitucional para fazer frente à necessidade de arrecadação. Isso porque, ainda que tais exações venham a ser declaradas inconstitucionais pelo STF, o Estado se furtará do dever de restituí-los à pretexto de evitar “rombos no orçamento”.


Penso que, ainda que se admita, a modulação esta deverá respeitar a razoabilidade e segurança jurídica, impondo-se, no mínimo, o respeito às ações judiciais e defesas administrativas apresentadas pelos contribuintes até a data da conclusão do julgamento da pretendida modulação.

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