Olá, meus queridos.
Comentei essa semana com vocês sobre uma questão tributária importante relativa à exclusão do ICMS Difal da base de cálculo das contribuições Pis e Cofins e pontuei que esse tema também seria aplicável para as empresas do Simples Nacional.
Na verdade, são duas questões distintas, mas com discussão sobre o mesmo imposto - o ICMS Difal.
Para entendermos melhor essas questões, vou desenhar dois cenários a partir de casos concretos: (i) um no qual a cobrança do ICMS Difal é legal e legítima e (ii) outro no qual existe discussão sobre a constitucionalidade da exigência do ICMS Difal das empresas optantes pelo Simples Nacional.
Primeiro cenário
A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região entendeu que não incide PIS e Cofins sobre diferencial de alíquotas de ICMS (Difal).
Do que se trata esse imposto?
A Emenda Constitucional 87/2015 instituiu, com vigência a partir de 01/01/2016, o “Diferencial de Alíquotas do ICMS a Consumidor Final não Contribuinte”, devido nas operações interestaduais destinadas a pessoa não contribuinte do ICMS. O valor do imposto cabe à unidade federada de destino da mercadoria ou serviço.
O regime Diferencial de Alíquotas (DIFAL) ocorre em operações interestaduais com diferença de alíquotas e tem como objeto proteger a competitividade entre o Estado produtor do bem e o do comprador e estabelecer um padrão de organização.
Encontra previsão no art. 155, §2º, inciso VIII, b, da Constituição Federal. Vamos à transcrição destas capitulações legais:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
[...]
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
[...]
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
[...]
VIII- a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015).
Ou seja, EM TESE, todos os contribuintes do ICMS são obrigados a recolher o ICMS relativo à diferença existente entre a alíquota interna (praticada no Estado destinatário) e a alíquota interestadual nas seguintes operações e prestações. Destaco "EM TESE", porque vamos estudar a exigência deste diferencial para empresas do Simples Nacional.
O entendimento do TRF 4ª região foi de que o DIFAL não se trata de imposto diverso, mas apenas de forma de cálculo do imposto no caso de operações de transporte entre estados quando o destinatário não é contribuinte do ICMS, em razão de cada Estado ter alíquota distinta, pelo que conclui que nada mais é do que o próprio ICMS pago pelo contribuinte de fato.
E ainda, interpretou que da mesma forma como o ICMS cobrado nas operações internas, também o ICMS cobrado sobre o diferencial de alíquotas, apenas transita pela contabilidade da empresa até ser recolhido ao Estado, daí porque sobre tais valores não deve incidir as contribuições ao PIS e COFINS, seguindo a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 574.706.
No caso, autorizou a empresa à excluir da base de cálculo do PIS/COFINS o valor do ICMS-DIFAL.
Essa tese é nova, inédita no ordenamento. Vale a pena deixar no radar e trabalhar essa questão como um novo produto com potencial de possibilitar a recuperação de tributos.
Segundo cenário
Nós já sabemos que o tema da exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins não se aplica para as empresas optantes so Simples Nacional.
Mas aqui o ponto é outro. Vamos entender.
Conhecemos que o regime do Simples Nacional é regido pela Lei Complementar
123/06. A cobrança do ICMS Difal por empresas do Simples está prevista nesta lei. Vejamos:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
(...)
VII - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS;
§ 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:
XIII - ICMS devido:
g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal:
1. com encerramento da tributação, observado o disposto no inciso IV do § 4º do art. 18 desta Lei Complementar;
2. sem encerramento da tributação, hipótese em que será cobrada a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sendo vedada a agregação de qualquer valor;
h) nas aquisições em outros Estados e no Distrito Federal de bens ou mercadorias, não sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
Pela leitura do dispositivo verificamos a previsão legal e lícita da cobrança do DIFAL.
No entendo, a constitucionalidade desta cobrança chegou ao Supremo Tribunal Federal.
Conheçam o caso. Uma empresa de Caçapava do Sul (RS), questionou por meio de Recurso Extraordinário acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que manteve a validade da cobrança do ICMS da empresa optante pelo Simples Nacional na modalidade de cálculo conhecida como diferencial de alíquota.
O acórdão da corte estadual assentou que as Leis estaduais 8.820/1989 e 10.045/1993, que preveem essa cobrança, não extrapolam a competência atribuída aos estados pelo artigo 155 da Constituição Federal e que a incidência desta sistemática sobre as mercadorias adquiridas por empresa optante do Simples Nacional possui respaldo no artigo 13 da Lei Complementar (LC) Federal 123/2006.
A matéria teve repercussão geral reconhecida pelo STF e existem diversos casos no país aguardando a decisão nesse processo.
Entre os argumentos principais pela inconstitucionalidade, estão:
(i) o fato de a lei desconsiderar as regras previstas na Constituição que regulamentam a incidência do tributo somente nos casos em que a aquisição for realizada por contribuinte de ICMS na qualidade de “consumidor final”; e
(ii) o fato de que a lei acabaria por derrubar o tratamento diferenciado e favorável para as micro e pequenas empresas previsto na Constituição Federal. Já o Estado do Rio Grande do Sul defendeu a cobrança, alegando que o recolhimento do diferencial de alíquota está expressamente previsto na LC Federal 123/2006.
Vamos nos dedicar para entender o por quê da tese da inconstitucionalidade ser forte.
O objetivo da Emenda Constitucional (EC) 87/2015, que prevê a cobrança da diferença de alíquotas de ICMS, foi o de equilibrar a distribuição de receitas entre os entes federativos de forma a evitar que só os estados de origem arrecadassem.
A norma não pretendeu alterar o tratamento diferenciado previsto no artigo 170 da Constituição dado às micro e pequenas empresas desde 1988.
Se prevalecer o entendimento pela legalidade da exigência da cobrança. as micro e pequenas empresas deverão pagar, além do Simples, a diferença entre as alíquotas interestadual e interna. Essa situação esvazia o próprio tratamento diferenciado dispensado à estas empresas e revogaria a LC Federal 123/2006.
Estas empresas já recebem pouquíssimos incentivos e a interpretação pela constitucionalidade da cobrança só as prejudica e desencoraja o empreendedorismo.
Além disso, a lei complementar veda o aproveitamento de créditos, criando um regime desfavorável e esconde uma bitributação, uma vez que há a cobrança da diferença, de forma antecipada, e depois o recolhimento do Simples Nacional.
No momento que estamos vivendo, a cobrança chega ser cruel!
A boa notícia é que 04 ministros do Supremo já se manifestaram pela inconstitucionalidade do ICMS Difal: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski .
De outro lado, em fevereiro de 2016, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli concedeu uma liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5464, excluindo as empresas do Simples da cobrança do Difal.
Ou seja, as empresas cadastradas no Simples Nacional não devem recolher o DIFAL.
No entanto, na prática, pode ocorrer a cobrança indevida dessa alíquota. Se este for o caso do seu negócio do seu cliente, faça o requerimento de um processo de reversão dessa demanda, usando a decisão do STF na fundamentação. E se o pedido for indeferido, pode recorrer na justiça.
Dúvidas por e-mail. E deixem seus comentários.
Um grande abraço.
Fernanda Nogueira
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