Precisamos falar sobre dividendos.
Estava marcada para o dia 03 de março a votação da medida provisória que estabelece o pagamento de 13° para beneficiários do Bolsa Família (MP 898/2019). Foi adiada pela quarta vez, mas as discussões devem ser retomadas nos próximos dias.
Historicamente esse não é um assunto novo no Brasil. A tributação de dividendos existiu na legislação tributária brasileira até 1995 quando foi extinta pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
A novidade que temos agora é que, 24 anos depois, nunca se chegou tão perto de uma tramitação no Congresso de uma lei que propõe essa tributação.
E vem num projeto de lei de conversão de medida provisória.
Quando a Medida Provisória é aprovada na forma de um Projeto de Lei de Conversão, este é enviado à sanção do Presidente da República, que poderá tanto sancioná-lo quanto vetá-lo. Cabe ao Congresso Nacional deliberar sobre o veto e, assim, concluir o processo de tramitação da matéria.
Em dezembro de 2019, o Presidente Bolsonaro assinou a MP 898/2019 que instituiu o pagamento do 13º salário para os beneficiários do bolsa família. A MP começou a transitar no congresso e foi composta uma Comissão Mista para analisar a conversão dessa medida em lei.
O relator dessa comissão mista é o Senador Randolfe Rodrigues (Rede - AP). No seu relatório, ele propõe que o pagamento do 13º para os beneficiários do bolsa família seja permanente.
Acontece que pela Lei de Responsabilidade Fiscal toda proposta de despesa tem que prever a sua receita correspondente. Ou seja, como vai ser paga aquela despesa que está sendo proposta.
E aqui entramos no cerne da questão.
A proposta de receita para financiar o 13º salário dos beneficiários do bolsa família é a tributação dos dividendos.
E como está sendo proposta?
O texto proposto prevê uma retenção de 15% sobre os valores distribuídos a título de dividendos, retenção essa considerada “como antecipação do imposto devido na declaração de ajuste anual do beneficiário pessoa física”.
Os lucros recebidos, decorrentes da atividade empresarial, já tributada, deverão ser submetidos à tabela progressiva, podendo chegar até 27,5%.
Dessa forma, na “cadeia tributária” teremos a incidência de tributos indiretos (ICMS, IPI ou ISSQN, PIS e COFINS –que podem variar significativamente), tributos sobre a folha de salários, notadamente a contribuição previdenciária, e, depois de deduzidos todos os custos e despesas admitidos, do que “sobra”, 25% de Imposto de Renda e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
Ou seja, sobre os resultados do esforço empresarial, já atacados indiretamente pela União, haveria, com a aprovação da proposta, uma incidência nominal de 52,15%, evidenciando explicitamente o governo federal como sócio majoritário de todos os negócios do País. Um aumento direto da carga tributária.
Qual o empreendedor vai aplicar recursos numa atividade econômica sujeita a riscos, tanto do próprio negócio, quanto riscos trabalhistas, ambientais, de segurança, para pagar 34% na pessoa jurídica e mais 27,5% na pessoa física (pessoa do sócio)?
Isso vai inviabilizar qualquer investimento.
Além disso, tem a questão da concorrência internacional.
Exemplo mais marcante é a redução do Imposto de Renda das empresas nos EUA, que hoje está (nominalmente) em 21%.
Imaginar o Brasil com 34% na pessoa jurídica, mais 15%, possível 27,5%, é segurar o desenvolvimento.
Então a questão é discutir como isso será feito.
A tributação de dividendos vem sendo discutida no âmbito da Reforma Tributária. A proposta do Governo ainda não foi enviada, mas o que se sabe é que o Governo pretende sugerir primeiro mudanças no Pis e na Cofins, em seguida no Imposto de Renda e tributação na folha.
No âmbito dessa proposta, numa análise mais ampla do sistema tributário, a tributação dos dividendos até parece ser possível se combinada com a redução da tributação da pessoa jurídica.
Até hoje ocorreram duas sessões, a primeira sem quórum e a segunda também. Há quem diga que o governo está segurando sua base para que não aprovem a Medida Provisória e para que a mesma não seja convertida em lei.
Talvez trabalhar dentro da reforma tributária a questão da tributação dos dividendos e paralelamente um Projeto de Lei no qual não se faça a vinculação do 13º dos beneficiários do bolsa família seja a estratégia que a equipe econômica do governo esteja pensando para trabalhar essa questão.
Vamos ficar atentos.
Fernanda Nogueira
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